“EU NÃO VOU MORRER AQUI”

A voz era um rugido, carregado de mágoa e fúria. No fundo da mente, atada com finos fios de sangue, a consciência dominante se debatia. Seus olhos amarelados fitavam o monstro liberto que movia seu corpo para longe… Longe de que?

“FOGO… MORTE… FOGO!”

O corpo, uma marionete nas mãos da besta, atravessou o umbral ilusoriamente fumegante cruzando o corredor. Seus coturnos arranharam o piso escuro, emitindo um ruído estridente em meio ao caos do ataque, mas isso era apenas mais uma nota na melodia do desespero. Tiros, vozes, dor, a criatura rasgando as veias inertes, impelindo vida na carne imortal, buscando a última gota de magia em sua hospedeira.

A feiticeira gritava, lutando, tentando guiar a si mesma, retomar o controle. Sua face banhada em lágrimas vermelhas.*“Eu não posso morrer aqui!”*O silêncio.Algo atingiu suas costas, rasgando a camisa clara, expondo a pele e queimando todo trajeto para fora. Outra dor. Outro tiro. Sucessivamente destruindo tudo no caminho e fragmentando a forma da besta, levando a vida consigo. Os joelhos falharam, enquanto lentamente tudo ia ao chão. Mas ninguém estava lá para ampará-la.Em sua prisão mental, ela pôde vislumbrar o frio olhar de Alex. Um monstro encarando outro. “Alex… Eu estou aqui! Não faça isso!”. Seus braços imateriais,  tentando se libertar, mesmo que já seja impossível. Ele não está mais lá. Se foi, engolido pelo frio. Olenska pisca dentro de sua prisão. O monstro mal consegue se mover. Mas naquele espaço o tempo não fazia mais sentido.

*“Oskana… Filha… Quem vai olhar por você? Eu não posso morrer… Não posso…”*A face doce de uma jovem, com uma tulipa tatuada no braço, os olhos vermelhos de sono e um ar sonhador, sorriu para sua mãe. Aquele era o centro do seu mundo. A criança que estaria sozinha, quando ela se fosse.

“Filha…”

A palavra reverberou nas paredes rubras, estilhaçando os fios que continham sua consciência, aquietando o monstro. Por um momento, ela voltou ao controle, fitando o mundo exterior, através de olhos amarelos quase inertes. A sua frente o vulto conhecido, seus sentidos a confundiam, ou eram as notas delicadas do violino dele?

“Petr… Você veio?...”

ー Eu nunca fui embora. - O homem cujo terno estava sujo de neve fresca e alguns cacos de vidro lhe falou calmamente, enquanto segurava sua mão. Beijou a aliança delicada, escondida sob um dos poucos anéis. - Estava esperando por você.