https://youtu.be/VdGK39UPOlk

O silêncio tomava tudo. A casa estava escura e morta, nenhuma luz, nem mesmo o som zumbido do aquecimento. Finalmente as pessoas haviam partido, deixando-a sozinha em sua dor. Frases rondavam sua mente: "... seja forte...", "... a vida segue...", "... ela precisa de você!", "... não esqueça o seu legado...". Legado… Futuro…

Não existe futuro sem ele. Não fazia sentido, pensou a mulher sentada no chão de madeira, agarrada aos restos do violino. Sua mente, tão analítica e calma, estava entorpecida por algo que era maior que si mesma. A perda. Como se houvessem arrancado um pedaço e em seu lugar foram deixados apenas os restos de alguém. As lágrimas que não derramou diante dos parentes e conhecidos agora deixavam a face molhada e fria. Sua dor deveria ser particular, tanto quanto a profundidade de seu amor.

Para o mundo, eles tinham uma união conveniente… Sua mente vagou. O pobre músico com algum talento e a rica herdeira estranha e fria. Parentes, por coincidente conveniência. Quase um romance descartável que se lê numa viagem de trem qualquer.

No entanto, o felizes para sempre, feito dos dias de quietude e delicadeza, chegou ao fim numa colisão brusca na neve. Sem grandes dramas e tramas complicadas… Gelo demais, freios de menos, fatalidade.

"Não se culpa o inverno..."

Os pais do outro motorista, um garoto começando a vida, estavam tão devastados quanto a jovem viúva. Sua dor era visível e pública, expressa nos gritos da mãe, amparada por seu companheiro que soluçava. Todos os olhares "piedosos" beberam a tragédia no corredor do hospital. Ela os cumprimentou, apática, distante.

*"Sua dor não deve ser vista."*Crescer entre dois mundos, duas culturas, duas vontades e um legado lhe incutiu um desinteresse sistemático pela vida mundana. Detestava os olhares "solidários" de estranhos e abominava a decepção dos pais. Não havia mais nobres na Terra Mãe, eles perderam as cabeças e foram espalhados pelos quatro ventos. Mas o sangue em suas veias descendia dos conquistadores, os grandes, e não houve um momento em sua vida em que isto não estivesse presente. Na educação, na formação e no casamento. Tudo planejado, calculado, acertado. Exceto pelo acidente. Ele destruiu cada pedaço de seu futuro previsível. Tirou-lhe o chão.

A casca vazia cumpriu seu papel. Impassível. Respeitável. Executou as funções que eram esperadas. Falou pouco, ouviu muito, e até esteve com sua criança… "Oskie"... O simples pensamento sobre a pequenina paralisou os nervos da alma. O "Legado" deles. A "jóia" dele. Mergulhada em sua dor, a viúva só desejava que aquilo terminasse. Para alguém que nunca havia experimentado e permitido sensações intensas, ter e perder pulsava em seu corpo, convulsionando tudo que lhe restava de controle. Apertava ainda mais os restos do violino que haviam comprado em sua lua de mel. Da fatalidade, apenas o instrumento alquebrado havia restado.

Num ato de desespero, a mente se refugiou na última lembrança, agarrando aquela manhã, dois dias antes, quando a neve não tinha gosto de morte e o futuro se estendia como uma estrada calma e feliz.

Petr tocava no estúdio de piso amadeirado, com Oskie deitada num moisés sobre o pequeno tapete felpudo, deixado ali para manter o cesto quente. A criança sempre adormecia melhor sob a melodia de sonatas, que o pai intercalava apenas pelo prazer de ver sua criança embalada por música, sua grande paixão. Olga terminou um relatório e enviou por fax aos seus clientes em Moscou. As notas doces do violino cobriam o arranhar do aparelho moderno, deslocado na sala repleta de livros e objetos mais velhos que as soleiras das portas. Ela esticou o corpo cansado, a filha havia dormido muito tarde e nenhum deles tinha conseguido descansar. Apesar da energia animada que Petr irradiava todas as manhãs, era perceptível seu cansaço nas notas mais longas que estava tocando.

A jovem mulher caminhou pela casa, recolhendo livros e apreciando, silenciosamente, a música. Desde que se casaram, sua casa nunca ficou quieta, mesmo quando ela precisava de silêncio. Canções, conversas, brigas e choro. A vida entre os dois transcorria como dia e noite. Intensa como Petr, calma como Olga. Oskana, a pequena de dez meses, era a única constante entre os dois. Cuidavam dela como se todo o mundo não fosse importante. Orbitavam aquele pequeno ser, num misto de amor e cuidado. Estavam exaustos, mas felizes. Era isso que pensava quando chegou até o corredor. A melodia já havia cessado.

Petr carregava o moisés com a pequena, embalando-a num zum zum cadenciado. Ao ver a esposa no corredor, pousou o dedo sobre os lábios, indicando que não poderiam perturbar a criança. Olga sorriu.

"Bênçãos aos deuses da música...", sussurrou ao estarem próximos.

Ele a fitou sério. Seu marido era um homem muito religioso e não gostava das brincadeiras e observações pagãs da esposa. Respeitava que ela não tivesse tanta fé, mas ficava desgostoso com comentários que considerava blasfemos.

–– *Mir, lyubov' moya! ** – Disse, dando-lhe um beijo e pegando o cesto. – Paz. Vou levá-la para o quarto.

Ele retribuiu o beijo e logo se afastou indo guardar o violino em seu estojo, numa mesa próxima.

–– Vou à universidade. Algum recado para o Professor Kollya? – Ele fala aos sussurros.

–– Net! Tenho uma entrega para a semana que vem. Mas os agitadores mal me deixam sair de casa. Farei por fax.