O tempo estava se tornando cada vez mais frio. Lentamente ruas desertas, onde a neve se acumulava, eram varridas por um vento hostil. Ninguém se arriscava em um passeio após escurecer, poucos e imprudentes vagavam sob o manto do inverno. A cidade murchava diante dos olhos famintos de predadores noturnos.

No território da residência universitária, próxima ao refúgio fortificado dos imortais, a vida tentava se refugiar entre as grossas paredes dos dormitórios, assim que a escuridão tomava as ruas. Os jovens que ainda desafiavam o clima opressivo, caminhavam em grupos ansiosos, evitando as áreas mais isoladas. A feiticeira farejou o ar carregado de flocos pesados, enquanto estacionava o carro em sua vaga privativa atrás dos muros bem vigiados. Apesar de longe dos apartamentos dos estudantes, ainda era possível sentir o medo e certa angústia. Desejou atravessar o estacionamento, cruzar o portão eletrônico e seguir pela rua até a guarita, onde, certamente, o vigia sonolento a deixaria entrar nas dependências dos universitários. Conhecia muito bem o complexo, havia investido uma boa quantidade de dinheiro para renovar a biblioteca deles e assim, ninguém suspeitaria de sua bem feitora discreta, interessada em ver o resultado de sua caridade. Conseguiu até visualizar o passeio e o encontro com algum jovem infeliz, exausto após horas de estudo… Uma troca de olhares e ela o teria adormecido. Imaginou o sabor… Um floco grosso atingiu sua bochecha, aquecida pelo rubor da vida, a fome começava a incomodar, noite após noite, e estes devaneios se tornavam mais frequentes.

Afastou o pensamento. Tinha coisas mais sérias e perigosas com que lidar. Esta noite não  permitiu qualquer distração. O que haviam descoberto  na floresta, o livro escondido no fundo da caverna onde o antigo dragão dormia, restos de um ateliê em escombros, migalhas de um passado permeado por arte e sangue, tudo isso sob as fundações do que seria Staryy Dom. Fitou novamente a paisagem estéril ao seu redor, o chão coberto por uma camada imaculadamente branca, o frio se apossando das extremidades do corpo, pinicando e atiçando a criatura sob sua pele. Desde o momento em que decidiu permanecer naquele lugar sentia o passado se enredando entre seus pés, como a neve no chão. Um mistério, se encadeando ao próximo num ciclo incalculável. Aquele convite irresistível para seu sangue. Provavelmente achariam que seu interesse era por poder. Tolos. Conhecimento. Superação. A existência deveria ser muito mais que jogos enfadonhos entre velhos egoístas. Não havia acolhido aquela maldição como vida, para se entregar a mesma política de quando estava viva.

Dentro de si algo puxou novamente. Uma risada sinistra. A zombaria de sempre. Sua besta, o sangue Tremere, cobrando seu quinhão…

“Eles não vão entender…”Não. Maskin a entenderia. Ou melhor dizendo, o que ele era agora entenderia os caminhos que estavam escolhendo percorrer. A feiticeira ajeitou a pasta onde suas descobertas estavam acomodadas. Segredos demais pesavam sobre seus ombros. Aquela pesquisa a levava cada momento mais longe da vaidade de Viktor e sua busca pelas honras da Torre de Marfim. Também a conduzia por campos obscuros das heresias cainitas… A lembrança dos rituais com suas irmãs em Praga, antes da queda e morte. Instintivamente apertou a pasta próxima ao corpo e caminhou decidida para a proteção do edifício reforçado, que chamava de lar. Sentia falta de sua Innocense, mas esta batalha ainda deveria ser travada, no momento oportuno.

Longe do frio, ela sentou-se na sala isolada, junto a sua própria biblioteca. Estava um andar abaixo do lugar de descanso que havia preparado para os companheiros. Misha, o garoto que Eric havia mandado, deveria estar em algum lugar, ela não dedicou muito tempo para o rapaz. Sentia, mais do que sabia, que teriam tempo de conversar. A proximidade dele e Alex nos últimos tempos trazia um certo alívio e simpatia. Ela se sentia culpada por manter o Ravnos distante, mas era necessário organizar o turbilhão em que se encontrava. Antes de partir, o Hecata havia sido claro acerca da companhia imaterial que estava circundando a feiticeira e o quão perigosa ela poderia ser para aqueles a quem ela dedicasse afeto. Fantasmas não eram um assunto que dominasse, entretanto, não era estúpida, tinha testemunhado o que os amigos do antigo companheiro de coterie podiam realizar sem seus corpos mortais.

– Você não iria aprovar o que estamos fazendo aqui. Eu sei. Mas é para a segurança dela. Cada passo rumo ao entendimento garantirá que ela esteja bem.

Estava falando sozinha novamente.

Parte de si desejava conversar com Petr, perguntar o que ele via em sua atual condição. Uma nostalgia melancólica se apossa de Olenska nestes momentos. É o eco de uma Olga que ela abandonou com o passar dos anos. A moça introvertida apaixonada pelo músico idealista. Nenhum deles existia mais. A única lembrança daquela outra vida tinha vinte anos e nem fazia ideia do monstro que vestia o rosto de sua mãe. Mergulhada nesses pensamentos sombrios a vampira pegou um cartão, escreveu nele o que podia, meias verdades cuidadosamente tecidas para não preocupar a única pessoa, naquele momento, por quem seria capaz de mudar tudo.

Lembrou-se no bilhete dele…

Preciso que você confie em mim e acredite quando eu digo: tenho um plano.

Eu também preciso que você confie em mim, Alex. Era o que a bruxa gostaria de dizer em cada rosa que enviava ao circo. Com toda a agonia que sentia por, lentamente ver o homem que havia capturado seu afeto, trilhar os passos do infame Nico, sentia que precisava, de alguma forma, expressar o estranho sentimento que lhe consumia parte da alma. Essa emoção que não se permita nomear, mesmo que num sussurro. Selou o envelope como de costume.

Subiu as escadas. Agradeceu, silenciosamente por ainda estar sozinha. Verificou o horário no relógio de pulso, enquanto caminhava pelo estacionamento. Carregava em sua valise papéis preciosos. Suas descobertas, a carta de Alex, uma carta selada e o cartão daquela noite. Atravessou uma rua lateral e aguardou o entregador. Nunca o mesmo valete, para manter a discrição, ela pagava em dinheiro e preferia encontrá-los em ruas aleatórias. Entregou o cartão e a ordem sobrenatural expressa de que entregasse a encomenda e esquecesse que tinham se visto.

– Está feito.O vento rodopiou ao seu redor. Um pesar amargo se apossou de si. Seu olhar acompanhando o mortal sumir entre o trânsito distante. Verificou a hora novamente. Ainda tinha muito pela frente, retornou ao refúgio. Era hora de trabalhar…

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Texto escrito por Evelling Castro para a personagem da crônica Staryy Dom by Night - Vampiro: A Máscara, Olenska Dimitriova.

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<aside> 💀 Este conto faz parte do material produzido para a personagem Olenska Dimitriova, em sua participação no universo ficcional da campanha de RPG Staryy Dom by Night, do sistema Vampiro a Máscara Quinta Edição, jogada e exibida via stream no canal ****https://www.youtube.com/casavelharpg

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<aside> ⚠️ AVISO: Os textos a seguir podem conter linguagem imprópria, alusão a violência e descrições de ações perigosas. A Autora não incentiva que nada do que está escrito seja praticado no mundo real. Recomendado para maiores de 18 anos

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