Três meses se passaram desde a noite em que havia conhecido o estranho feiticeiro Viktor Kravets. Neste meio tempo ele não lhe incumbiu de nenhum estudo complexo ou mesmo análise de qualquer objeto relevante. Viktor gastou suas noites em longas conversas sobre a natureza da torre de marfim, seus meandros e sua história. Instigando-a a debater com paixão e se concentrar na essência das tradições e como seus valores eram deturpados a vontade de quem comandava. No princípio ela o achou herético e quase anarquista, mas então percebeu, que ele tinha uma queda Legalista. Ou, ao menos por aquele tempo, queria torna-la uma.

Mas não apenas de encontros em seu escritório ou em restaurantes caros eram gastos seus encontros. Ele a levou para vários elisios, apresentou-lhe pessoas importantes em Praga, sempre lhe inquirindo a analisá-las. Seus trejeitos, suas manias. Cada noite eles terminavam em debates abertos sobre a política da cidade. Na última lua nova daquele mês, Olenska foi informada que, finalmente, iria conhecer a Capela da cidade. Decidiu vestir-se de forma discreta, pois a apresentação ao círculo dis magos era no mínimo um evento de prestígio para o senhor que lhe acolhia. Quando o carro em que ele estava se aproximou da calçada a porta foi aberta gentilmente e ela deslizou para o seu lugar, ao lado do feiticeiro. Escapar do ar gélido e úmido da cidade era, de certo modo, esperado. O rubor da vida enganava os mortais, mas era preciso agir de acordo, ajeitou o casaco enquanto forçou o ar quente ao deixar seus lábios, num obrigada ensaiado.

O veículo seguia pelas ruas ancestrais. Não demorou muito Viktor se dirigiu a sua acompanhante.

— Você está tão séria minha querida. — Ele falou em tom paternal. — Acredito que os nossos irmãos de Praga podem causar uma outra impressão em você. O que sabe sobre a capela!? — Sua frase ecoou no carro em movimento.

— Lamento, mas não é fácil mudar os hábitos duramente adquiridos. — Seu tom era informal. Como o Tremere apreciava. Isso lhe poupava um sermão sobre modos. — Reclusos, diplomáticos. Tive o prazer de conversar com duas jovens iniciadas. Mas elas me pareceram evasivas. Você me manteve afastada da congregação de forma intencional, mas também não nos fez praticar os ritos adequados...

— O que você conclui disso, querida Olenska!? — Ele falava enquanto as mãos seguravam habilmente uma bengala negra de castão intrincadamente decorado. — Deixe-me ver o que você aprendeu.

Ela ponderou. Observava a janela ao seu lado. O casario datado do século XIII se misturando a modernas construções, as margens do Vltava, cuja linda orla se desenhava iluminava por postes seculares. A noite estava escura, sem a lua e nem estrelas. Um vazio perigoso. A voz da feiticeira era quase uma reflexão de sua mente inquieta.

— Os membros desta cidade são bastante cosmopolitas, apesar de suas raizes remontarem os tempos do próprio rei Boêmio. Seus modos são uma fachada bem elaborada, para esconder algo antigo, sob um verniz moderno. Irmão Brea é um culturalista dedicado. Teria navegado bem entre os cortesãos do Príncipe. Contudo... só tive notícia de mulheres entre os Tremere locais. Mesmo quando se tratou de referenciar membros ausentes, eram sempre citações femininas e quase alusões pagãs. — Ela fitou o homem mais velho. Seu rosto bonito, coberto por uma barba grisalha, sobrancelhas marcantes e um olhar penetrante. — Se o senhor não fosse tão bem quisto ao meu criador eu poderia deduzir que tem uma curiosidade, bastante peculiar, pelas casas dissidentes...

Ele tocou seu ombro com gentileza. Por instinto ela recuou ao toque. Ele não insistiu.

— A verdade, minha cara Olenska, se esconde sob o nosso olhar mais mundano. Confesso que Brea teria me servido para outros propósitos. Mas você!? Ah... minha querida. Você já me abriu portas que nem desconfia. Estou nesta cidade há bastante tempo. E, como bem notou, não sou incluído nos ritos desta congregação. O motivo, teria feito meu velho “amigo” Vasili partir na primeira noite, com repulsa e provavelmente causando desconforto a corte local. A pirâmide não gosta de barulho, não é mesmo?!

Ela assentiu entendendo onde aquilo levaria.