(Para ler ouvindo: https://youtu.be/beiPP_MGz6I)

Dizem que há momentos na existência que mudam perpetuamente quem somos. Eles se misturam entre os atos da vida e em retrospecto são como marcos da jornada. Mas esta não é uma verdade… não para amantes desafortunados. Quando os céus unem estas almas, há beleza, caos e tragédia.

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A noite havia exigido muito da feiticeira. Reunir-se com sua capela… Era sua, afinal?! Sentiu o peso daquele pensamento. Apertou involuntariamente os anéis que representavam parte de si mesma. Focou seu olhar nos portões do Elisio por começar. Seu destino estava se escrevendo a cada instante, mas havia algo novo. Não abaixaria mais a cabeça às vontades de outros. Se algo precisava ser feito, ela teria de fazê-lo… Percebeu-se sorrindo.

“Não estou mais sozinha.”

E como se ouvisse um chamado inaudível, Alex Black surgiu a alguns passos dela. Não com o entusiasmo de sempre. Mas quem poderia julgá-lo? Sentiu que compartilhavam angústias tão poderosas, laços atados na necessidade, e… Ponderou a verdade que ainda não poderia revelar. Temia que tal conhecimento os condenasse. Se tudo tivesse que acabar hoje, antes do sol nascer, ele iria saber. Concentrou-se no que tinham de fazer.

— Você vai precisar disso aqui… — Estendeu-lhe um de seus cartões de visitas.

— Que é isso!? — O tom dele era baixo e um tanto confuso, enquanto examinava o objeto. Numa das faces as iniciais da Tremere, na outra, a letra, bela, porém apressada, podia ser vista tomando boa parte de uma das faces.

— As crianças precisavam de ajuda, ontem à noite. E eu usei… O que estava a meu alcance para salvar minha filha. — Fitou o ravnos de forma gentil. — E os seus, que estavam na companhia dela. — Alex parecia estranho aos olhos de Olenska. — Eles estão aí… As instruções foram claras, sair da cidade por um tempo e retornar, quando for mais seguro. Eu estou estendendo a minha proteção, aos seus, se você precisar.

O homem a frente dela não parecia o mesmo de poucas noites atrás. Ele não sustentava o olhar altivo, e nem o tom travesso. Estava amuado. Quando falou, trazia um tom evasivo na voz.

— Brigado… Eu… Vou precisar fazer uma coisa também… e não sei se… Vou conseguir fazer tudo que eu planejo, mas… Tá tudo aqui. — Ele estendeu um envelope para ela.

Curiosa, ela aceita, enquanto espera uma explicação.

— Você pode ler, depois… Quando eu for embora.

No mesmo instante algo dentro de si estremeceu. A vontade vencendo o cuidado, a pergunta saiu vacilante.

— Ir para onde, Alex?

— Vai tudo depender do que acontece hoje.

O tom e o olhar dele, queriam dizer algo, mas ela tinha… Medo. De compreender. Usou todo o seu controle para não transparecer a inquietação que as palavras dele lhe causaram. Mesmo assim, era inegável sua tensão.

— Você me disse que Maskin não está bem. Você me entrega isso, como se fosse uma despedida… — Aponta o envelope. E então leva a mão ao anel pendurado junto ao peito. Seu olhar agora vacilava. — Eu… Esperava que você ficasse mais.

— Sabe o que é pior!? — Eles se fitaram por um breve e estranho momento. — Que eu também. Mas… Eu não sei se eu vou poder… Em que pé que nós estamos… Se você ainda vai poder andar com o “clube do bolinha”, por aí — Por um segundo, lá estava o homem que ela conhecia. E nesse lampejo suas convicções deram lugar a outra coisa.